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[Outreachy] · · 6 min de leitura

A minha jornada até o Outreachy, ou Como aprendi a parar de me preocupar e começar a contribuir

Era maio deste ano quando, enquanto lia notícias locais, deparei-me com o anúncio sobre a realização do 5º Encontro Nacional de Mulheres na Tecnologia. A oportunidade de encontrar pessoas com paixões e experiências semelhantes às minhas sempre é animadora, então imediatamente procurei por mais informações. Ao passar meus olhos pela programação, uma Lighting Talk me chamou a atenção: “Programa Outreachy: receba para estudar e trabalhar em projetos de software livre”, feita por Ana Rute Mendes, contemplada com um estágio na Mozilla através do projeto Taskcluster. Essa simples leitura desencadeou uma série de pesquisas que me levaram à conclusão de que seria uma oportunidade maravilhosa para mim.

Apesar de desejar muito estar presente no evento, não pude ir — estava em um momento bastante atribulado de minha vida que exigia de mim tempo e cuidados com a minha saúde mental. Entretanto, guardei essa informação com muito esmero após ler a lista de projetos da rodada anterior, colocando como objetivo para os próximos meses o começo da minha preparação para uma possível candidatura.

Dois meses depois, a imensa insatisfação com o Twitter me levou a um exílio da plataforma. Fiquei imersa no Mastodon e em sua comunidade, que desde o primeiro momento me tratou muito bem e acolheu-me com bastante carinho. Isso acabou me incentivando a me comunicar cada vez mais em inglês — embora seja fluente, havia tido poucas oportunidades para usar a minha segunda língua.

Após algum tempo de uso, sentindo-me cada vez mais apaixonada pelo projeto e pelos seus usuários, começou a crescer em mim o anseio de contribuir de alguma forma. Desde este momento não demorou muito tempo para que eu percebesse que a localização em português brasileiro era bastante semelhante da em português europeu. Após ler o guia de tradução e observar o estado dos arquivos correspondentes, resolvi começar com pequenas contribuições.

Segundo o meu histórico no GitHub, a primeira coisa que fiz foi reportar um problema. Estava bastante nervosa antes de fazer essa postagem, confesso — ainda não me sentia confiante me expressando em inglês e a síndrome de impostor se fazia presente em toda ocasião. Constantemente me perguntava se as coisas que estava afirmando faziam sentido ou se realmente deveria me manifestar. Oito dias depois, com a ajuda da documentação do Mastodon, aprendi a mexer com as funcionalidades básicas do git e submeti o meu primeiro pull request. Olhando para trás, vejo que poderia ter dado mais detalhes sobre as mudanças que fiz e elaborado uma explicação melhor sobre as minhas motivações, mas foi um bom começo que me incentivou a fazer a primeira tradução completa do Mastodon para português brasileiro e persistir realizando a sua manutenção contínua. Posteriormente, também disponibilizei a tradução da página do projeto, joinmastodon.org.

Apesar de parecer uma trajetória muito bem planejada, trata-se de uma progressão natural. Estava sempre em busca da próxima coisa a fazer pelo Mastodon, incentivada principalmente pelo desejo de ver mais usuários brasileiros e o reconhecimento da importância de meu trabalho, o que acabou me levando a colaborar também com a localização de aplicativos como o Tusky. Essas oportunidades fizeram com que eu me apaixonasse cada vez mais pelo ofício, com o qual só havia tido experiências “não-oficiais”: dentro do curso de extensão de Engenharia de Software para Aviônica da Universidade Federal de Goiás, do qual fiz parte por alguns anos, traduzi informalmente o documento Generic Avionics Software Specification em um trabalho em grupo visando auxiliar alguns colegas com dificuldades com a língua inglesa. Dessa formação também vem meu apreço e respeito pelo processo de documentação — algo essencial dentro de sistemas críticos —, algumas experiências com gerenciamento de projetos e desenvolvimento de software, a adoção da perspectiva sistêmica para resolução de problemas e uma imensa carga de conhecimento técnico em aviação. Com toda certeza essa vivência moldou muito do que sou profissionalmente hoje, aprimorando minhas visões de mundo e minhas habilidades.

O meu envolvimento com FOSS também não é de hoje, estando presente em minha vida há quase sete anos. De experimentações com o meu primeiro celular Android até aqui tive experiências com o SciLab; fui a eventos como o Flisol (onde conheci meu noivo e posteriormente palestramos juntos); tornei-me usuária de distribuições como Ubuntu, Elementary OS, Debian, Manjaro e a que estou usando atualmente, Antergos; aprendi a usar LaTeX, o que revolucionou completamente a minha vida acadêmica como estudante com deficiência visual; fiz uso do NVDA quando tive que usar softwares proprietários sem opções de acessibilidade para baixa visão no Windows… Tratava-se de uma questão de tempo até que finalmente começasse a contribuir.

Na primeira quinzena de setembro a Outreachy começou a anunciar as organizações participantes da 15ª rodada de estágios, e no dia 11 de setembro me apresentei na plataforma Phabricator aos meus mentores. Quando li a respeito do projeto “Translation outreach: User guides on MediaWiki.org”, tive certeza que tratava-se de destino: parecia que o caminho que havia percorrido até agora me preparou para ele. Embora tenha sido apresentado na 14ª rodada e potenciais estagiários se apresentaram, nenhum deles chegou a efetivamente se candidatar. Lendo atenciosamente as discussões anteriores, comecei a trabalhar na microtarefa designada como contribuição, observar discussões com outros candidatos, fazer algumas perguntas e pesquisar mais a fundo sobre os assuntos relacionados. Também contatei os mentores de forma privada para esclarecer as minhas dúvidas e debater algumas ideias.

Quando percebi que estava prestes a terminar as tarefas designadas, perguntei aos mentores o que mais poderia fazer. Johan apontou-me a lista de discussão de traduções da Wikimedia, e prontamente me cadastrei nela. Também comecei a seguir diversos perfis de comunidades e projetos da Wikimedia Foundation no Twitter para entender um pouco mais do funcionamento de todas elas. Diria que essa atitude curiosa foi determinante para a minha candidatura: através dessas ações, pude compreender muito da cultura da comunidade ao observar a maneira como ela se comunica com o mundo e seus pares, e das últimas mudanças dentro da Wikimedia ao traduzir frequentemente as Novidades Técnicas.

Além do formulário a ser submetido na plataforma da Outreachy, a Wikimedia exige que também se publique uma proposta de projeto pública no Phabricator. Publiquei o primeiro rascunho no dia 9 de outubro, algumas semanas antes do prazo final, e requisitei críticas ao mesmo tempo que trabalhava constantemente para aprimorar o conteúdo. A antecedência e a dedicação exclusiva a essa tarefa me ajudaram a elaborar uma proposta de qualidade, além de ouvir atentamente o que meus mentores tinham a dizer. Você pode lê-la aqui.

Ao término do prazo de aplicações, continuei fazendo contribuições traduzindo diferentes partes da documentação, dedicando as sextas-feiras para as Novidades Técnicas e pesquisas sobre o estado atual da Wikimedia. O único momento em que resolvi interromper tais tarefas foram nos três dias anteriores ao anúncio dos resultados: reconheci meus esforços, percebi a minha ansiedade e presenteei-me com descanso.

O processo de candidatura foi exaustivo não pelo trabalho, mas por causa de todo o processo emocional. É mandatório fazer planos a longo prazo para apresentar propostas, mas ao mesmo tempo emocionalmente desgastante pois constantemente se carrega dentro de si o medo de criar expectativas demais e falhar. O desejo de que os dias passem logo e o resultado seja anunciado é imenso e simultâneo ao anseio de que tudo aconteça bem devagar pelo temor da resolução não ser algo que te agrade.

Mas às vezes, o que lhe parece impossível realmente acontece.

Esta é a primeira postagem de uma série sobre o meu estágio na Wikimedia. Cada uma delas estará disponível tanto em português brasileiro quanto inglês, mas sinta-se livre para traduzi-las para qualquer idioma de escolha desde que respeitando a licença CC BY-SA 4.0. Obrigada por ler e cuide-se.