Afinal, quem sou eu na tecnologia?
Sempre tive dificuldades em aceitar títulos; nunca me senti realmente merecedora deles. Ter me estabelecido como uma profissional independente na tecnologia após o meu estágio com a comunidade Wikimedia tem uma parcela de culpa nisso: nunca ocupei vagas de emprego — sou, em essência, uma consultora externa. Jamais tive um título definitivo nas organizações para as quais trabalhei — sempre me envolvi nas tarefas pelas quais senti mais interesse. Passei por instituições de pesquisa e projetos de software livre sem nunca sentir a confiança de definir exatamente o que sou.
Comecei a notar que procurava desculpas para diminuir as minhas atividades, e boa parte delas tinham como origem a minha fuga do “convencional”. Ao mesmo tempo, duas personas profissionais lutavam dentro de mim: uma que ansiava se aprofundar cada vez mais em conhecimento técnico (e tinha muito medo de ser desmerecida pelas suas habilidades mais “humanas”); e outra que florescia com contato humano (e ressentia o desejo de “ser mais técnica” pelo medo de não ser o suficiente por si só).
Neste ano, no entanto, finalmente entendi que essas duas personas podem coexistir. Melhor ainda: é a junção das duas que me torna uma pessoa tão rica e uma profissional mais empática. Descobri, então, o termo que hoje uso para me definir: documentarista 1 2.
“Documentaristas são pessoas que se importam com documentação e comunicação na indústria de software, independentemente de seus cargos.”
Pode parecer bobo, mas encontrar paz em uma identidade profissional é muito importante para mim. O privilégio de trabalhar em projetos abertos torna a minha profissão algo muito mais pessoal: realizo atividades intimamente ligadas aos meus princípios, à minha ética. Falhar em encontrar uma descrição simples para o que faço me enchia de frustração e insegurança; eu acabava prestando muito mais atenção no que não sabia fazer ao invés de focar naquilo que sei. Descrever-me na simplicidade de uma palavra me enche de alívio, confiança e determinação.
Essa autoaceitação, aliás, veio junto a uma validação externa: após duas semanas de segredo, finalmente posso revelar que sou uma das escritoras técnicas selecionadas para o Google Season of Docs [arquivado] ! Trabalharei com a equipe do Open Collective [arquivado] — e em especial com meus mentores, Alanna e Jaskirat — para aprimorar a documentação de ajuda da plataforma pelos próximos três meses.
Tudo isso marca o início de um novo ciclo na minha vida, o renascimento de uma profissional da qual tenho muito orgulho de ser. Entretanto, não teria chegado aqui se não fosse por toda a rede de apoio que me cerca — e a todos vocês, digo: muito obrigada.
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A palavra documentarian também assume o significado de “pessoa cuja profissão é criar filmes documentários” em inglês. No entanto, há registros de seu uso na indústria de software, como em uma edição da revista Computerworld em 1976 (conforme cita o Wikcionário anglófono [arquivado] . Por isso, julgo adequada a localização da palavra para documentarista e passarei a usá-la em textos futuros. ↩︎
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Localização feita intencionalmente no plural para preservar a neutralidade de gênero da frase original: “A documentarian is someone who cares about documentation and communication in the software industry, regardless of job title.” Essa definição é apresentada na página “Documentarians” [arquivado] do site oficial da comunidade Write the Docs [arquivado] . ↩︎